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segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Tic-Tac

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Tic-Tac, acusava o relógio na parede meticulosamente posicionado acima da pia da cozinha.

Tic-Tac, insistia.

Olhou para o relógio, objeto de devoção e, ao mesmo tempo, descontentamento. Tic-Tac protelava, Tic-Tac, como se gritasse com todas as forças.

‘Mais dez minutos’, pensou. Foi até a janela, olhou para o apartamento da frente, cortinas e um mundo todo oculto por trás delas. Ouviu o barulho do vento, não por tempo o bastante, vivia numa lata de sardinha… Se fizesse esforço poderia até mesmo escutar a respiração dos vizinhos, não era preciso muito esforço. Seus devaneios foram interrompidos pelas condições da vizinhança. Respirou fundo, fechou os olhos, desejou que tudo desaparecesse.

Tic-Tac, Tic-Tac… Ouvia ao fundo dos seus pensamentos.

Tic…

E, de repente, nada de tac. Nada de tic, nem de tac, sem Tic-Tac. Nada de vizinhos, nada de barulho, nada de incomodo.

Voltou-se para o relógio, surpresa… Ficou abismada com o acontecimento, nada de tic, nem de tac, ponteiro algum se movia.

E o tempo? Sem tempo, o tempo havia parado. Nada de tempo, nada de nada. Sem tempo.

‘Isso só pode significar algo…’

‘Sem tempo, o tempo parou. Se não há tempo tenho, pois, todo o tempo do mundo’, concluiu rapidamente.

Um sorriso iluminou-lhe a face. Se tinha todo o tempo do mundo sem ter tempo algum, então havia um ponto em que o infinito poderia ser finito e por fim… Ela podia chamar o mundo de seu.

Fechou os olhos novamente. ‘Você está ficando louca’, disse em voz baixa. Correu para o quarto, pegou na cômoda o relógio de pulso, nada de tic, nem de tac. Correu até a escrivaninha, verificou o relógio, novamente, nem tic, nem tac.

Decidiu não questionar-se sobre a perda repentina do tempo… O tempo se perdeu oras! O que é que havia de errado nisso?

Ficou horas e horas não fazendo nada, se não havia tempo… Nada poderia ser considerado nada uma vez que não havia nada a ser perdido. Nada era perda de tempo, o que poderia ser melhor que isso?

Se o tempo havia parado, não passava, nem voltava… Como saberia onde ia chegar?  Lugar nenhum.

Viu-se presa no seu desejo mais voraz, nada de tempo significava nada de nada.

Tempo algum, coisa alguma, lugar nenhum… Nada.

A hora não passava, nem sequer havia hora!

O que deveria fazer? Completamente sozinha num mundo sem tempo, decidiu que era preciso sair, procurar algo ou alguém que pudesse dividir tempo nenhum com ela, correu pelas ruas e nada encontrou. Após muito procurar sentou-se num banco qualquer, se tivesse olhado ao seu redor teria percebido que não era um banco qualquer, teria percebido que aquele lugar não era lugar nenhum, mas não olhou, tudo havia se tornado coisa alguma, não importava. Inconformada com o resultado do seu desejo respirou fundo que cobriu o rosto com as mãos.

Decidiu que se todo o tempo havia se transformado em nada poderia ficar lá para sempre. Fechou os olhos, havia desistido de qualquer coisa, coisa alguma.

E, na sua rendição encontrou o tempo que procurava, mesmo que o tempo não existisse, poderia ficar ali, sentada para sempre. Sabia que para sempre não existia, tão pouco existia nunca, de qualquer forma ela podia fazer suas regras uma vez que estava sozinha perdida em tempo algum.

De repente, algo aconteceu, sentiu algo sobre seu ombro esquerdo. Alguém, finalmente! Alguém!

Alguém no meio de nada, coisa alguma, lugar nenhum.

Virou-se rapidamente para que pudesse vê-lo. Os olhares se encontraram… Alguém! E então…

Tic-Tac.

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